Chegamos então ao século XVI. Para Lutero a
justiça de Deus era essencialmente retribuitiva. E como o homem não tem nada de
bom a oferecer, a justiça retribuitiva se torna a justiça punitiva. Essa ideia
prevaleceu até que o grande reformador, preparando suas aulas sobre Salmos, se
deparou com um apelo de Davi: “...livra-me por tua justiça” (Sl 31:1). Este
texto perturbou seus pensamentos. “Como pode Deus salvar alguém na sua justiça
se a justiça é exatamente o que Deus usa para punir as pessoas?”. Prosseguindo seus estudos encontrou as seguintes palavras de Paulo: “visto que a justiça
de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá
por fé.” (Rm 1:17). Assim, finalmente Lutero chegou a correta conclusão que a
justiça é redentiva. Não era apenas uma qualidade de Deus, mas um dom. Ele
entendeu que justiça é aquilo que Deus oferece e não aquilo que Ele requer. Não
podemos perder de vista este conceito. Esse ainda é um grande obstáculo na
mente de muitas pessoas. Muitos ainda pensam que podem ser justos diante de
Deus, mas nunca devemos nos esquecer que justiça é o que Deus oferece e não o
que Ele requer. O termo grego dikaion,
traduzido para o latim como justificare,
significa considerar justo, contar como justo, imputar justiça, absolver. Porém, o
termo foi mal traduzido no latim, e isto especialmente quando o grego se tornou
uma língua morta no ocidente. O significado grego se perdeu e justificare passou a significar "tornar
justo". Durante todo o período medieval o significado de justiça foi entendido
no sentido agostiniano, como um processo, fazer justo, tornar justo. Com a
renascença aumentou o estudo da cultura clássica e, em 1506, Reuchlin publicou sua
gramática hebraica. As línguas bíblicas começaram a ser redescobertas. Erasmo
de Roterdam, em 1516, publicou a nova edição do Novo Testamento grego. Assim
Lutero descobriu que, no grego, justificar significa "considerar justo" e não "tornar justo". Descobriu que justificação é um ato forense. "Um homem não é
considerado como justo porque ele é justo, mas é justo porque é considerado
como justo". Justificação para Lutero não é mais a comunicação da justiça de
Deus, mas imputação da justiça de Deus. Tornar justo é uma questão forense. Se a justificação é um veredito de Deus em
nosso favor, como isto acontece? Como somos declarados justos? Como Deus
justifica os pecadores? Estas questões ainda não estavam claras para Lutero quando lecionava a classe de Romanos. Não somos dignos de
méritos humanos. Como Deus justifica os pecadores? Conforme seu comentário, Romanos
4:7 parece passar por alto o ato da fé em Cristo. Então, Lutero começa a associar
exclusivamente a justificação com a fé em Cristo, e em escritos posteriores
liga a justificação com a graça de Cristo e com a fé, e esta é a posição final
de Lutero. A justificação vem pela graça de Deus. Deus manifesta sua graça por
ter permitido que Cristo sofresse em nosso lugar. Ele coloca os nossos pecados
não sobre nós, mas sobre Cristo. Em Isaías 53:5 é descrito que Cristo toma o
lugar dos pecadores, e através da fé nEle podemos ter a Sua justiça. E
prossegue: "Assumindo nosso lugar ele tomou sobre si nossa pessoa pecaminosa e
agora podemos tomar sua pessoa vitoriosa". Lutero diz: "O verdadeiro caminho para
o cristianismo é este, que primeiro o homem pela lei tem que reconhecer que é
pecador e não pode se livrar por obras meritórias – esta é a única forma de
partir o nosso eu e contemplar a humildade de Cristo". Somos justificados
somente pela graça, através de Cristo. As obras são resultados da
justificação. É importante salientar que a salvação pela graça não nos dá uma escusa
para não praticar boas obras, mas nos dá uma motivação para praticá-las. Você
não pratica obras para ser justificado, mas porque você foi justificado. A lei nunca
foi dada para ser um instrumento da salvação. O amor nos diz porque fazer, a
lei nos diz como fazer. Em 1994 acompanhamos o julgamento de O.
J. Simpson. O ex-jogador de futebol americano foi acusado de matar sua
ex-esposa, Nicole Brown, e seu amigo, Ronald Goldman. Relatos posteriores do
julgamento nos dizem que nunca na história foram reunidas tantas evidências
contra alguém como foram reunidas contra Simpson. No entanto, mesmo com todas
as provas a favor da condenação, o juiz decretou que Simpson era inocente. Isto
é uma boa ilustração do que acontece conosco nos tribunais celestes. Somos
culpados. Todas as provas estão contra nós. Mas, Deus nos declara inocentes. É
claro que os julgamentos humanos não podem se comparar com os julgamentos
divinos. No caso de Simpson, foi um erro. Em nosso caso, Alguém pagou em nosso
lugar. E, apesar de continuarmos pecadores, Deus vê um homem legalmente
perdoado. Por muito tempo existiu uma confusão no
pensamento cristão sobre a questão da justificação. Mas, Deus lança luz sobre o
Seu povo e hoje podemos ter a certeza da nossa salvação. Não por méritos
próprios, mas através dos méritos de Cristo. "Sim, deveras considero tudo como
perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor;
por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar
a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei,
senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada
na fé" (Fp 3:8 e 9). Somos livres da culpa do pecado porque Cristo pagou em
nosso lugar. Este é o momento de entregarmos a nossa culpa a Cristo e mediante
a fé nos alegrarmos na certeza da salvação. O Inocente sofreu em seu lugar e
hoje Deus te declara justo!
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